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O que é tantra? Conheça a filosofia por trás da massagem e do sexo tântrico
Filosofia oriental busca o fortalecimento da energia vital - o kundalini - para alcançar o autoconhecimento. ‘O maior órgão sexual é a pele e as pessoas não exploram isso’, diz terapeuta
Ana Lourenço - Estadão
24 de março de 2023 | 10h00
Equilíbrio, conexão, abertura da mente e a busca pelo prazer contínuo em todas as áreas da vida. Pelos princípios do tantra, uma filosofia asiática milenar, conhecer o próprio corpo e sentir-se íntimo dele é algo natural, que valoriza o poder do autoconhecimento. Para isso, ele busca o fortalecimento do kundalini, uma energia vital que manifesta nossos desejos, vontades e libidos. E há várias maneiras de acessar esse conhecimento.
“Existe a terapia tântrica, que envolve o conhecimento do corpo e nossa intimidade com ele; a massagem tântrica, que é uma das técnicas utilizadas durante a terapia; e o sexo tântrico, que pode ser praticado por quem é adepto e conhecedor do tantra, mas nunca em uma relação terapeuta-cliente”, explica Daricha Sundari, CEO da escola Atman Tantra e especialista em terapia tântrica e sexualidade.
Para a cultura ocidental, essa conexão com a sexualidade pode ser confundido com promiscuidade, o que acarreta em confusão e preconceito com relação às práticas tântricas. Para Daricha, o preconceito vem pelo tantra trazer, de forma sacra e poderosa, algo que é visto como banal e errado - especialmente na cultura latina e machista, na qual falamos sobre sexo, mas não o reverenciamos. “Ele é tão forte para quem experimenta porque traz a gente para um contato mais verdadeiro com quem nós somos”, conta.
Renata, de 29 anos, conta que também estava bastante receosa quando foi experimentar a massagem tântrica pela primeira vez. “Na minha primeira experiência estava bastante curiosa, mas também muito tímida e um pouco receosa, não vou mentir”, diz ela, que preferiu ter o nome trocado para garantir o anonimato.
Renata buscou o tantra para curar seu bloqueio de relacionamento. No entanto, além de obter o resultado desejado, ela diz que a experiência fez com que ela abrisse os olhos para a sua relação consigo mesma. “Nunca tinha passado por nada parecido. O tantra não faz parte da cultura ocidental, por isso estranhamos de início muita coisa. Hoje, recomendo para todas as pessoas, inclusive aquelas que não sabem o que o próprio corpo é capaz de proporcionar.”
Muitas vezes, a massagem é recomendada por terapeutas como complemento da terapia psicológica, como faz a psicóloga e terapeuta sexual Maria Cecília Mansur. “A massagem tântrica é uma ferramenta que a gente indica em alguns casos, por exemplo para ejaculação precoce ou anorgasmia feminina (dificuldade de atingir o orgasmo). É uma experiência que pode ajudar bastante porque na psicologia a gente não cuida da parte do toque”, afirma.
Vale lembrar, no entanto, que mais da metade da massagem tântrica não toca nos órgãos genitais, e sim a pele do corpo. “O maior órgão sexual é a pele e as pessoas não exploram isso. Até mesmo durante a masturbação vamos direto para o órgão genital para que seja rápido e chegue ao orgasmo”, explica Daricha.
Tantra: terapia em busca da cura
Antes de mais nada, é preciso passar por uma anamnese (diálogo estabelecido entre profissional e paciente com perguntas para entender a complexidade da situação) por meio da terapia tântrica. “No momento em que a terapeuta conversou comigo sobre toda a minha história, eu entendi que é algo completamente diferente de tudo o que muitas falam sobre o tantra - que normalmente é muito mais voltando para o erotismo do que para a parte terapêutica”, conta a educadora sexual Jady Souza, de 34 anos.
Nesse primeiro contato, normalmente, é onde as pessoas conseguem identificar os valores e intuitos de cada profissional. Afinal, por ser uma coisa íntima, é preciso cuidado. “Não existe isso de ‘vamos marcar uma massagem’, tem um movimento para tentar entender qual é a demanda da pessoa, construir toda a parte consciente, para então serem feitos os toques”, explica Jady.
A conversa sobre conforto, especialmente nas primeiras sessões, deve ser respeitada. Não há obrigatoriedade de nudez ou pressa para que seja feita a massagem. A confiança do paciente no profissional é essencial para que a experiência tântrica ocorra - por isso, pesquise o currículo do terapeuta, busque depoimentos de quem já fez sessões com ele e avalie o que sente durante o primeiro encontro.
O direcionamento que eu vou conseguir levar para a cliente na sessão vem da terapia. Muitas vezes essa parte é mais importante do que a massagem em si, porque é a hora que ela volta a se conectar consigo mesma”, explica a massagista tântrica Kelly Baldonado.
Jady, que era psicóloga, passou a trabalhar com o tantra depois que sentiu na pele os seus efeitos. “Eu percebi que nada conseguia ir tão profundo quanto aquela sessão que eu tive, o que me ajudou a ressignificar dores e traumas do passado”, conta ela, que é formada em psicologia. Depois de ter sido abusada na infância e na adolescência, Jady passou a ter bloqueios emocionais e de conexão com o próprio corpo. “Tinha muitas questões de aceitação, dificuldade de entrega, de sentir, então mesmo em relações onde existia muito amor, eu tinha muitos bloqueios, muitos traumas e travas.”
Hoje, ela compartilha seu conhecimento tântrico na vida privada e laboral. “O tantra mudou a minha forma de me relacionar comigo, com a minha família, com meu próprio corpo, no ato sexual e com o meu relacionamento amoroso, onde consigo me comunicar sobre os meus desejos, mas também dar atenção aos desejos dele”, diz ela sobre o educador sexual Cleyton Sales, de 41 anos. Assim como Jady, Cleyton também chegou ao tantra buscando o autoconhecimento.
Cresci numa família muito religiosa, até cheguei a ser missionário”, conta ele. “Nesse movimento, eu não falava sobre sexualidade, era um tema proibido. Por conta disso, eu tinha dificuldade de me envolver e fluir bem nos relacionamentos amorosos e sexuais. Mas descobri no tantra, que fui estudar pela filosofia, a liberdade que buscava para mim.”
É importante lembrar que os traumas tratados no tantra não necessariamente precisam ser de abuso - qualquer situação que tenha marcado a pessoa e trazido algo negativo para o sexo, como um xingamento, um olhar ou uma ação, já pode ser caracterizado como trauma. E esse trabalho deve ser integrativo com a terapia psicológica para que seja trabalhado mente e corpo.
O que é massagem tântrica?
Em sânscrito, a palavra tantra pode ser traduzida como “expansão do conhecimento”. E um dos saberes mais disseminados é que o prazer não tem uma relação única com a genitália, mas sim com o corpo todo. Mais da metade da massagem tântrica não toca nos órgãos, e sim a pele do corpo.
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São praticados dois tipos de massagem: a sensitive (também chamada de toque A), que tem um toque bem sutil, normalmente com a ponta dos dedos; e a forte, cujo foco são pontos específicos do corpo para liberar o prazer. “A ideia é reconectar os sensores espalhados por todas as áreas erógenas da pele, que com a correria do dia a dia, o automatismo e o estresse, a gente desconecta. Só então chega aos genitais, que é algo rápido, porque o corpo todo já está preparado e estimulado. O objetivo não é o clímax, mas a extensão do prazer”, explica Kelly.
A massagem íntima tem movimentos e objetivos opostos à masturbação. Enquanto uma é rápida e focada em somente um objetivo, a outra busca construir o prazer e nutrir o corpo com essa energia sexual. “O tantra é a extensão do prazer. Tudo muda na sua vida quando você está com o prazer em dia, você passa a colocá-lo em vários aspectos da sua vida: trabalho, autoestima, planejamentos”, explica.
No final da sessão, normalmente é feita uma meditação para que a pessoa entenda quais foram as novas sensações e a conexão que ela teve com o corpo. “De dez mulheres que eu atendo, oito choram. Afinal, é algo muito profundo, que tem toque, respiração, movimento corporal, mas também muito perdão. E isso se relaciona com traumas, histórico familiar, por isso não tem nada a ver com safadeza, é terapia mesmo”, diz Daricha.
A duração da massagem varia entre 1h30 e 2h, e o preço pode chegar a R$ 600 por sessão. Normalmente, uma sessão pode mudar tudo, mas os terapeutas indicam ao menos três.
Sexo tântrico no dia a dia
O olhar perante o tantra vem mudando, especialmente com celebridades como Luciano Huck, Sheila Mello e Anitta falando sobre suas experiências com a massagem, mas também com estudos que mostram os benefícios da prática. Em Brasília, Daricha dá aula para sua terceira turma de pós-graduação em filosofia tântrica. “Depois de ver tanta gente ruim ou com más intenções colocarem nas redes que são expert por fazerem um curso de um fim de semana, decidi criar um curso profissionalizante e mostrar para a sociedade que existe um trabalho sério sendo feito e ele é importante”, diz.
Os alunos vivem a experiência tanto online, com as aulas remotas, quanto presencialmente, durante a experiência imersiva. Dessa forma, aprendem sobre estar presentes e vulneráveis para colocar a filosofia em sua vida. “No ocidente, vivemos uma forma de vida cada vez mais voltada para a produção e para o imediatismo. Nossas mentes estão aceleradas, cheias de expectativas e doenças psicoemocionais, porque não paramos para sentir”, explica a especialista. Assim, ao propor o relaxamento, o tantra reduz as tensões e as expectativas sexuais, permitindo a pessoa ser livre para sentir totalmente o prazer.
É daí que parte o pilar do sexo tântrico: tempo, comunicação e olhar. Algo que pode ser aplicado no dia a dia com a ajuda de um terapeuta (em uma sessão para casal que tem duração de três horas) ou por conhecedores do tantra que buscam levar esses valores também para sua relação íntima.
“A proposta do sexo tântrico é promover uma conexão mais qualitativa entre o casal. O primeiro passo é o que chamamos de ‘tratak’, que é olhar no olho do parceiro (a) por alguns minutos e restabelecer a conexão”, explica Alexandre Lourenço, terapeuta e criador da página ‘Prazer em Tantra’. Ele conta que além da visão, todos os outros quatro sentidos são explorados nesse momento, com velas aromáticas, elogios e palavras de afirmação, beijos e, claro, massagens.
“Você fica ali horas sem pensar em orgasmo, penetração, mas sentindo outras formas de prazer no corpo. Nada é contato, eles ficam ali o tempo que for preciso”, diz ele. A penetração não é obrigatória, mas pode ser bem-vinda, desde que a premissa de prolongar o prazer seja mantida.
De acordo com a psicóloga Maria Mansur, a influência da indústria pornográfica é disfuncional para isso. “O ‘sexo delivery’, que é performático e sem preliminar, prejudica muito a conexão e a qualidade do sexo, o que gera ansiedade, o medo de comunicar algo que não seja o esperado”, diz. “O sexo é uma coisa íntima, então ele pede por vulnerabilidade e para isso temos de ter tempo para fazer sexo.”
Conforme ela explica, a qualidade do sexo pode afetar nossa saúde mental e até nossa autoestima. Ou seja, ter esse espaço para aceitação e reconhecimento da própria beleza e prazer sem culpa conduz a um momento de pura entrega e presença. “Quem desfruta da sua sexualidade de uma maneira saudável, orgânica, no sentido de ir ao encontro do desejo, com certeza é uma pessoa mais saudável”, diz.
Apesar da dedicação com o tempo de qualidade durante o ato, é importante lembrar que a prática não precisa durar horas. “É uma conexão mais profunda que não necessariamente precisa ser lenta. Se você está fazendo aquilo com presença, consciência, amor e trazendo essa conexão, pode ser um sexo forte, mesmo que seja mais selvagem”, diz Daricha.
Como colocar o prazer do tantra no nosso dia a dia?
Esteja presente
Faça questão de dar tempo para as coisas e estar mais atento a elas. Isso vai garantir uma melhor noção e, consequentemente, a comunicação dos seus desejos . Lembre-se de respirar e pensar em uma coisa de cada vez.
Mostre a paixão
Separe tempo para olhar no olho do seu parceiro ou parceira, abrace-o e, principalmente, resgate a importância do toque para a relação. “As preliminares elas acontecem fora da cama, ao longo do dia, com um bom dia, uma demonstração de afeto, e mostrando a importância do outro para você”, sugere Daricha.
Estimule seus sentidos
Descubra novas áreas erógenas com o outro, assim como novas formas de prazer que tirem o foco do genital. Dance com o seu par, troquem massagens, foquem menos em como chegar ao orgasmo e mais em como prolongar a experiência do prazer.
FONTE: matéria publicada no jornal Estadão em 24 de março de 2023, escrito por Ana Lourenço. título: O que é o Tantra? Conheça a filosofia por trás da massagem e do sexo tântrico.
https://www.estadao.com.br/saude/o-que-e-tantra-conheca-a-filosofia-por-tras-da-massagem-e-do-sexo-tantrico/
Kate Prem Pavitra
Especialista em tantra, aplica o método Deva Nishok,
o mais conceituado do país, possui experiência em cerca
de 10 anos com a prática.